Anunciação

Seria possível tornar real aquilo que até a imaginação duvida?...

Pois eu fui além do tempo e do espaço, no breve intervalo entre o nunca e o sempre, onde nasce a suave brisa e a água goteja seus primeiros sinais de vida; onde principia o show do sol, vida e morte. Eu fui até onde as estrelas começam a acariciar a noite, e a lua, cúmplice, serenamente admira o mar e seus reflexos brincando de ser notas musicais, com sua doce melodia ecoando pelo ar (já parou para ouvir o silêncio?)...

Percebi então que não estava só. A princípio, eu não via quem estava ali, apenas sentia sua presença. Era como se o tempo não existisse mais e a eternidade foi materializando-se na minha frente, não sei se homem ou mulher, adulto ou criança, jovem ou ancião. Havia uma aura de luz que a envolvia e, paralisado pelo fascínio, fui aos poucos distinguindo seus olhos. Percebi então que poderia ser o que eu quisesse e desenhei na luz um corpo de mulher, embora nao tenha conseguido visualizar seu rosto. Via seus olhos, mas não seu rosto...

E ela me olhava com ternura, docemente. Mas havia um brilho fosco ali, enevoando seu olhar. E era tanta tristeza que quase dava para tocá-la. Ela tentava sorrir, mas seu sorriso me trazia lembranças, há muito esquecidas, do vazio. De repente então brotaram lágrimas, tal qual um brinde à sua solidão.

Quem me dera tomá-la em meus braços e levá-la ao cume da montanha mais alta para que, lá de cima, ela pudesse apreciar seu mundo, curvado a seus pés, completamente entregue à materialização do próprio esplendor. Quem sabe ela pudesse sentir que a tudo impulsiona, que em seu nome se baseia a vida e que nela residem os mais belos desejos de paz, harmonia e esperança.

Ela, por entre suas lágrimas, olhou em meus olhos. Embora eu não conseguisse sustentar tamanho brilho, ela me revelou o motivo da sua dor: "De que adianta me admirarem tanto se além de alegria, também causo dor, medo e tristeza? Por que me desejam tanto e ao mesmo tempo fogem e me negam? Por que me usam em nome de suas mortes, suas guerras, seus extermínios? Por que? Se também causo sofrimento, não é por querer; se também causo dor é porque não sou dona da perfeição. Eu preciso apenas ser, existo em tudo e não sou culpada de, simplesmente, acontecer. Quer saber o que mais desejo? Eu desejo que minhas flores não tenham espinhos e que suas pétalas sempre terminem em bem-me-quer...".

Suas palavras me penetravam a alma e, atordoado, percebi que eu também era um dos motivos de suas lágrimas. Quem era esse EU que eu vinha vivendo? Eu a usara mais de uma vez em nome de interesses sujos, eu já pisara em corações que me dariam até suas próprias vidas, mas dos quais me desfiz por puro prazer. Então chorei. Chorei por toda uma vida sem sentido, por toda uma vida sem conhecer o meu real sentido. Eu chorei porque, sem que eu pedisse, sem que eu ao menos merecesse, ela estivesse ali, me oferecendo sua dádiva.

Eu toquei de leve em sua emoção e todo o medo esvaiu-se do meu coração. No instante seguinte, a luz que a envolvia desapareceu e eu pude então me dar conta de que ela já não mais se encontrava ali. Isso não me causou tristeza. Eu me sentia feliz porque eu sabia que ela ainda estava ali comigo; eu não a via porém a sentia. E o que eu sentia era tão maravilhoso, que fez nascer em mim uma vontade de correr o mundo anunciando as boas novas, dividindo com que precisasse o dom que eu acabara de receber.

Então, como que trazida pelo vento, embalada por uma melodia divina, dissolvida no ar, sua voz invadiu meus sentidos: "Meu querido amigo, não tente me encontrar em corpos, objetos, em coisas que você possa tocar. Tudo isso é passageiro; eles entram em sua vida, cumprem sua missão e se vão. A nossa ligação é eterna e muito mais íntima e eu estarei com você em sua vida e sua morte, eu estarei com você nos dias de sol e nos dias de chuva e, quando você sentir-se só, toque em seu coração, porque é ali que, de agora em diante, estarei. O que eu direi agora será dito com extremos carinho e ternura, como um obrigado por você ter me deixado entrar em sua vida. Obrigado por você ter aberto seu coração para mim. Já me sinto mais forte e, agora eu sei, mais do que eu sempre soube, que o que me torna imortal está dentro de cada um, em sua alma e em seu espírito, em seu desejo, mesmo que inconsciente, de felicidade. Por isso sei que sempre estaremos juntos e que, em todos os dias, somente isso importará no final...".

O vento levava suas palavras e, embevecido e maravilhado, entendi que a luz não havia sumido: EU ESTAVA DENTRO DELA, ELA ESTAVA DENTRO DE MIM! EU ME TORNARA A PRÓPRIA LUZ! EU ESTAVA PRONTO PARA AMAR!...